quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Paixão anônima

A grande dor das coisas que se passaram
Transmutou-se em finíssímo prazer
Quando, entre fotos mil que se esgarçavam
Tive a fortuna e a graça de te ver

Vê-la (ou tê-la) foi uma das mais belas coisas que já me aconteceram.
O que quer que aconteça, este simples fato me deu ânimo,
Coragem e esperança renovadas:
De que ainda podem existir mulheres assim como tu
Belas, inteligentes, charmosas e de uma maturidade crescente.

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Coração fraco numa essência forte

Há uns 5 anos eu era um jovem e arrogante anestesista
Que se gabava de não dizer não pra nenhuma cirurgia, por mais arriscada que fosse
Dessa vez era a de uma menina de 12 anos, com a coluna toda torta
Que ousava querer sentar, queria passar por essa cirurgia das mais brutais
Quebrar toda a coluna pra depois endireitar
E não era nem testemunha de jeová
Lá pela 10a. hora de cirurgia, depois de ter sangrado 2 vezes o próprio volume de sangue
seu coração começou a fraquejar, a bater pela metade,
e nenhuma alquimia das de costume surtia qualquer efeito
Na autópsia deu infarto anterior extenso
Além da coluna a genética do coração também era fraca
A mãe em dor imensa, chorava e agradecia porque dizia saber
que os médicos tinham feito tudo que podiam
Corroborando a força de vontade corajosa da menina, de querer viver melhor
mesmo sob risco de ter que deixar essa vida
Na medicina chinesa, a força original da vida nasce dos rins
E ao meu ver, isso ela tinha de sobra
E hoje, após esses anos, me pego chorando ao lembrar dela, da menina
cujo nome não lembro,
Mas, pelo sofrimento, por tanta persistência diante de tanta fraqueza física
Meu Deus, aquela menina sou eu.

terça-feira, 16 de novembro de 2010

Pra que rimar amor e dor

Tua ausência dói mais que
a abstinência de qualquer .ina
Que cortar os dedos
com papel de cartolina
Dói mais que a impotência
de ver morrer na frente um suicida
que morder gilete com a gengiva
Que engolir soda cáustica e
se enforcar em ardentes tripas
Que puxar plástico queimado
da pele em carne viva

No entanto, deixarei que morra em mim o desejo
tão doce de te amar
porque assim é preciso
Pra não perder o único instante
em que foste realmente a serenidade
e a ausência de sofrimento
E ficarei só como os veleiros
nos portos silenciosos
até que eu me ressurja em mim,
como a fé nos desesperados
E estarei melhor do que ninguém,
porque poderei partir

Calor do fogo

Perto de você tudo é novo
É como estar perto do fogo
Que tudo transforma, dor em prazer
Cura toda mágoa e toda ferida
Do peito e do corpo, cicatriza
O sentimento surge mais forte, caloroso
E se transmuta em ternura por viver

Devasso e espirituoso
Acordo com o calor do sol no rosto
E durmo com a carícia da lua
Vejo as estrelas e sinto teu cheiro
Adivinhando a beleza pura
Da tua pele branca e nua
Que nos meus braços aconchego

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Nostalgia do Oceano

Como as primeiras formas de vida
que se arrastaram do mar para a terra
temos a tarefa de preparar o terreno
para os que virão depois
para que evolua a ciência do bem viver
mas ainda não pudemos ser bons
Evitar a violência,
retribuir o mal com o bem,
não satisfazer os desejos, antes esquecê-los
é o que chamam sabedoria
e eu não posso fazê-lo
Dolorosamente nos acostumamos à aridez que mesmo criamos,
mas conservamos a nostalgia do oceano que tudo limpa e perdoa
na salinidade dos nossos líquidos corporais,
em secreta ânsia pelo suave balanço das ondas
Consola-nos o gosto salgado das lágrimas
que correm para o mesmo oceano
central volume de forças, unidade pura,
verde víscera abrasadora
onde toda força volta a ser origem

terça-feira, 14 de setembro de 2010

Justa Razão

Olhei pro rosto de Guevara, a fronte altiva, coragem rara,
satisfação. Fazer uma revolução, banhar as mãos e o rosto em
sangue vivo, e, se preciso, fazer da morte uma libertação

Empunhar rifles, franzir a alma, não só a testa, usar a força que
ainda resta, pra humanizar um mundo corrompido. Renunciar
ao amor de uma mulher pra se entregar ao amor proibido:
o que se sente ao se deparar semelhante oprimido

Lutar pra quê? Lutar pra quem? Eu não defendo um
Falso Herói Coroado rei
Tampouco a terra, leito de ganância que não cultivei. Nem
guerra santa, raça, crença ou credo me farão matar, porque o Deus
que teimo acreditar não fez cruzadas para me conquistar
E aceita Buda, papal, Hare Krishna, rabino ou Alá

Então, me isento de qualquer desejo de revolução, chego a
pensar que não sou cidadão, e saio à rua sem nada nas mãos.
Mas de repente...

A me vida me mostra seu maior valor
Quando um menino sujo, seco, sem pudor, vasculha o lixo,
levando à boca um pedaço de pão.

Empunho o rifle na imaginação e o guerrilheiro se faz um irmão

Fabrício Carlos Jardina Penha- compadre da moradia FMRP

sábado, 11 de setembro de 2010

Verdes Mares Fortalezenses

Agarrado a um braço amigo
Vejo a minha nau naufragar à deriva
Pois te deixei quebrar a minha bússola
E à deriva permaneço
Sinto que a cada onda que ultrapasso
Afasto-me de ti mais e mais 
Mas que a vontade do mar seja feita
É quem nesse momento tem as rédeas do meu destino
É quem sabe da estupidez que não permite que eu seja,
Apenas e só teu amigo
E que por isso sempre a vejo
Com a saudade do que poderia ter sido
E agarro-me a vida
E a vivo como nunca
Pois o que nunca se teve não pode jamais ser perdido

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

A Desilusão do Migrante

Quis dizer algo
Do que queria ser
Que não sou
E não cabe mais em mim mesmo

Porque o senso comum
Nunca me foi comum
E sou estranho a mim mesmo:
Minha cabeça não se encaixa a meu corpo
Minhas mãos desajeitadas agem alheias às minhas idéias

O vento vem e varre as folhasque quero
Deixa outras que não quero
De modo que fico cada vez mais cheio
E cada vez mais vazio

Quando vim de minha terra
Se é que vim, não estou morto por lá
O mundo girava alheio à minha pessoa
E nesse giro, entrevi
Que não se vai de lugar algum a nenhum
Que carregamos as coisas
Rígida cerca de arame da nossa alma
Na mais anônima célula

Quando vim de minha terra
Não vim, perdi-me no espaço
Na ilusão de ter saído
E lá estou enterrado
Por baixo de gerações

Janelas do meu quarto
Com vista pro mangue, tão parado
Adiante estava o aeroporto
Que tantas vezes me deu lições de partir

Sabem que parti a fugir de mim mesmo
E a querer me encontrar
Aqui encontrei certa liberdade de espírito
Mas novamente quero partir
Mesmo sabendo que não vou encontrar
Nenhuma identidade que não sei onde perdi

Aqui, apreendi, sim
O amargo alento que traz
A observação da miséria humana
O valor da vida
Onde quer que ela se mostre
Da verdade
A angustiada procura da expressão da
Mais profunda realidade humana
E nisto tive prazer

Procurei no amor o bálsamo da vida
Não encontrei senão desilusão e morte
Tive sim, momentos de transverberada ternura
Que à lembrança, umedecem os olhos
Mas que os dias não trazem mais

Deixo minha grande ternura
Pelas mulheres que me amaram e eu não pude amar
Pelos pacientes que não pude ajudar
E pelos amigos dos momentos de alegria e ternura

Deixei um dia a vista de um mangue,
Úmido, do prédio de apartamentos,
Da primeira mulher que amei
Deixo agora esta casa, esta vista constante
De uma estante de livros,
Alguns que nunca lerei
E de mais uma floresta bela e histórica
Que ainda hoje me é estranha
E mais outros amores mal-sucedidos

Vou-me, adeus para nunca mais
Sei que um dia virão
Prefeitos e burgueses
Que contra a frágil organização
Do ébrio proletariado desta casa,
A destruirão e a difamarão,
Vao pô-la abaixo
Mas meu quarto continuará
Imóvel, intacto, suspenso no ar
Com seus livros, discos e sonhos

Agora queria mesmo uma janela para o mar
- o melhor confessor
Que nas doces tardes frias
De tons purpúreos
Ouça a voz de minhas nostalgias
E que a baterem ondas precipitadas
Nesta janela - em longos uivos
De gementes sereias despedaçadas
Façam novamente bater meu coração

(Poemas 'juntados' às vésperas de deixar a Casa do Estudante de Medicina, que foi meu lar por 6 anos)

O Haver (Trecho)

Acima de tudo essa capacidade de ternura
Essa perfeita intimidade com o silêncio
Esse antigo respeito pela noite
A vontade de chorar diante da beleza
Essa inércia cada vez maior diante do infinito
A cólera cega em face do mal entendido, da injustiça
Esse ridículo desejo de ser útil
E a coragem de se comprometer sem necessidade
Esse diálogo cotidiano com a morte,
Esse fascínio do que irá vir
Sem saber que é a minha mais nova namorada

Vinícius de Morais

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Vou-me Embora de Pasárgada-Millôr

Vou-me embora de Pasárgada
Sou inimigo do Rei
Não tenho nada que  eu quero
Não tenho e nunca terei
Vou-me embora de Pasárgada
Aqui eu não sou feliz
A existência é tão dura
As elites tão senis
Que Joana, a louca da Espanha
Ainda é mais coerente
Do que os donos do país
(...)
Pasárgada já não tem nada
Nem mesmo recordação
E nem fome nem doença
Impedem a concepção
Telefone não telefona
Drogas são falsificadas
E prostitutas aidéticas são nossas namoradas
(Bandeira que nos perdoe)

O Anestesista

Nunca a névoa matinal foi tão fria
Quando desgruda lento da cama
Um anestesista em dor cotidiana
No despertar agudo da segunda-dia

Quando vela o sono dos doentes do coração
Embala também o seu, numa dor nunca esquecida
Porém hoje, se apaga a angústia do dia e,
Estranho, transverbera calor e inspiração

À noite, no escuro, a face lhe-se ilumina
Sonha acordado com uma clara criatura
Que a sorrir-lhe, misteriosa, doce e pura
Enrubece a boca ao dizer que o queria